As gerações passam mas a língua fica, apesar de tudo…
Ruy Carlos Ostermann e o Silêncio Sobre as Línguas de Casa
Morreu ontem o jornalista Ruy Carlos Ostermann. A notícia circulou com força nas redes sociais. Claro, era de se esperar, pois parte alguém que marcou gerações. Muita gente comentou sua elegância no uso da língua portuguesa, sua lucidez, seu papel como cronista esportivo e pensador da comunicação. Justo. Mas há um detalhe em sua biografia que praticamente ninguém menciona, e que no Rio Grande do Sul virou norma se esquecer: qual foi a língua materna dele?
Ruy nasceu em São Leopoldo em 1931, filho de uma região em que o alemão, em diversas variantes, algo inerente nessa língua… era falado dentro de casa, na rua, na igreja e no comércio. Tudo indica que ele tenha crescido ouvindo, talvez falando, o Riogrand Hunsrückisch Platt, como tantas crianças de sua geração. E mesmo que a vida profissional dele tenha sido toda em português, essa outra língua também faz parte da sua história. Mas ninguém diz nada.
Isso acontece o tempo todo. Seja numa entrevista com um agricultor com evidente sotaque germânico, seja na biografia de uma figura pública que cresceu em comunidade bilíngue. É como se essas línguas simplesmente não existissem. Elas estão vivas no cotidiano de milhares de rio-grandenses, mas são tratadas quase como segredo de família, um assunto a ser evitado, como coisa sem nome. Outro porém: quem controla o microfone geralmente não tem preparação nenhuma para lidar com esse assunto (já vem de currículo?!). Só que isso não é nada normal.
Em democracias mais abertas à sua diversidade, a situação é bem diferente. Por exemplo, o caso do mais e das diversas línguas autóctones na Guatemala, a língua basca no País Basco (Espanha), o guarani no Paraguai… Mesmo em lugares como o estado de Washington, no Noroeste dos Estados Unidos, línguas minoritárias com presença bem mais recente do que as nossas, não são invisibilizadas, ao contrário. Por exemplo o castelhano só veio a aparecer no mapa, assim por dizer, nos últimaos trinta anos neste estado, mas ele já aparece em placas, postagens nas mídias sociais (por instituições governamentais, de ensino, sem fins lucrativos, privadas, etc.), em entrevistas, shows em clubes, homenagens. São amplos os sinais de reconhecimento da realidade social, dos convites ao pertencimento.
Uma forma gentil de mudar esse quadro seria simplesmente mencionar a língua de casa das pessoas quando se fala delas, não como se ela fosse uma língua estrangeira mas uma língua íntegra de sua comunidade, de sua zona agrícola, de sua cidade natal, de sua região. Não como curiosidade exótica constantemente vista como prestes a desaparecer, mas como parte da identidade de indivíduos, famílias, comunidades, tudo parte da formação histórica da sociedade atual.
Aliás, isso não vale só para o nosso hunsriqueano riograndense (ou Riograndenser Hunsrückisch, entre outros nomes, no próprio), mas também para o talian, para o kaingang, pomerano, polonês, para o guarani e outras línguas sul-brasileiras que há gerações insistem em viver, apesar do silêncio ao redor.
Se queremos uma sociedade mais justa, mais plural, precisamos começar por dar nome ao que existe. E as nossas línguas existem.