Der Artikel “Plurilingüismo no Brasil” von Gilvan Müller de Oliveira (Brasília, Juni 2008) ist dohie nei-publiziert und wieder üwich der Internet in Veröffentlichung gebrung, so das mehre Leit wo sich möchlischst üwich Mehrsprächichkeit in Brasilie intressiere, es dann leichter finne und lese, und sich dann ooch driwer üwerlehn, könne. Was mer dohie am mache ist, ist was in Hoch-Technoloschie en ‘Spiechel baue’ hesst (en Begriff/Konzept wo aus der Englisch-Sproch stammt, wo es als “mirroring” gekennt ist). Hiedie Web-Seit ist dann nuar en zwooite Platz in der Internetz, von wo der dort uwe erwähnte Artikel, weiter nochmo ‘reflektiert’ ist … und nämlich, obwohl der Beitrooch schon für das Publikum zur verfüchung üwer der Internetz gestellt woard, es woor doch getun dorrich en vielzuviel restriktives sort von Dokument, weil es bis jetzt norre im PDF-Format in der Internetz für se finne ist (en Oort von Datei wo besser dient für gedruckte Versione hearstelle).
O artigo “Plurilingüismo no Brasil” de Gilvan Müller de Oliveira (Brasília, junho de 2008) está sendo re-postado e mais uma vez disponibilizado para o grande público na internet, para que um número maior de pessoas que talvez se intessem pelo assunto da pluralidade linguística do país possam mais facilmente encontrar e ler este texto, e refletir sobre o assunto. O que está sendo feito aqui é o que em High Technology se chama de ‘espelhamento’ (um conceito/termo que surgiu no mundo anglófono, onde se ele chama “mirroring”). Esta página neste site, portanto, somente é um ponto na internet onde o acima citado artigo passa a ser ‘refletido’ … quer dizer, muito embora já disponibilizado na internet, isto foi feito em um formato de arquivo deveras restritivo, sim, pois até este momento ele somente se encontra disponível no formato PDF (ideal para produzir versões em papel, para impressão).
Plurilingüismo no Brasil
Representação da UNESCO no Brasil
Gilvan Müller de Oliveira
Brasília, julho 2008
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Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Lingüística (IPOL) / 2008
BR/2008/PI/H/30
Representação da UNESCO no Brasil
Representante
Vincent Defourny
Coordenadora de Cultura
Jurema Machado
Coordenador Editorial
Célio da Cunha
Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos contidos neste livro, bem como pelas opiniões nele expressas, que não são necessariamente as da UNESCO, nem comprometem a Organização. As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo deste livro não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região ou de suas autoridades, nem tampouco a delimitação de suas fronteiras ou limites.
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Plurilingüismo no Brasil
Gilvan Müller de Oliveira1
A concepção que se tem do país é a de que aqui se fala uma única língua, a língua portuguesa. Ser brasileiro e falar o português (do Brasil) são, nessa concepção, sinônimos. Trata-se de preconceito, de desconhecimento da realidade ou antes de um projeto político – intencional, portanto – de construir um país monolíngüe?
Em algum nível todos esses fatos andam juntos. Não é por casualidade que se conhecem algumas coisas e se desconhecem outras: conhecimento e desconhecimento são produzidos ativamente, a partir de ópticas ideológicas determinadas, construídas historicamente. No nosso caso, produziu-se o “conhecimento” de que no Brasil se fala o português, e o “‘desconhecimento”’ de que muitas outras línguas foram e são igualmente faladas. O fato de que as pessoas aceitem, sem discutir, como se fosse um ‘fato natural’, que o ‘português é a língua do Brasil’ foi e é fundamental, para obter consenso das maiorias para as políticas de repressão às outras línguas, hoje minoritárias.
Para compreendermos a questão é preciso trazer alguns dados: no Brasil de hoje são falados por volta de 210 idiomas. As nações indígenas do país falam cerca de 170 línguas (chamadas de autóctones), as comunidades de descendentes de imigrantes outras 30 línguas (chamadas de línguas alóctones), e as comunidades surdas do Brasil ainda duas línguas, a Língua Brasileira de Sinais – Libras – e a língua de sinais Urubu-Kaapór. Somos, portanto, um país de muitas línguas – plurilíngüe – como a maioria dos países do mundo. Em 94% dos países do mundo são faladas mais de uma língua.
Se olharmos para nosso passado, veremos que fomos, durante a maior parte da nossa história, ainda muito mais do que hoje, um território plurilíngüe: quando aqui aportaram os portugueses, há 500 anos, falavam-se no país, segundo estimativas de Rodrigues (1993: 23), cerca de 1.078 línguas indígenas, situação de plurilingüismo semelhante a à que ocorre hoje nas Filipinas (com 160 línguas), no México (com 241), na Índia (com 391) ou, ainda, na Indonésia (com 663 línguas).
O Estado Português e, depois da independência, o Estado Brasileiro, tiveram por política, durante quase toda a história, impor o português como a única língua legítima, considerando-a “companheira do Império” (Fernão de Oliveira, na primeira gramática da língua portuguesa, em 15362). A política lingüística do estado sempre foi a de
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1 Lingüista da Universidade Federal de Santa Catarina (NEP/UFSC) e pesquisador-associado do Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Lingüística (IPOL). E-mail:
2 Outros gramáticos da época afirmaram essa mesma relação entre a língua e a dominação, como Antonio de Nebrija, o primeiro gramático da língua castalhana: “a língua sempre acompanhou a dominação e a seguiu, de tal modo que juntas começaram, juntas cresceram, juntas floresceram e, afinal, sua queda foi comum” (NEBRIJA, 1492, Introdução, citado por GNERRE, 1987, p. 10).

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reduzir o número de línguas, num processo de glotocídio (assassinato de línguas) através de deslocamento lingüístico, isto é, de sua substituição pela língua portuguesa3. A história lingüística do Brasil poderia ser contada pela seqüência de políticas lingüísticas homogeinizadoras e repressivas e pelos resultados que alcançaram: somente na primeira metade deste século, segundo Darcy Ribeiro, 67 línguas indígenas desapareceram no Brasil –- mais de uma por ano, portanto (RODRIGUES, 1993, p. 23). Das 1.078 línguas faladas no ano de 1500 ficamos com cerca de 170 no ano 2000, (somente 15% do total) e várias destas 170 encontram-se já moribundas, faladas por populações diminutas e com poucas chances de resistir ao avanço da língua dominante.
Essa ação do estado pode ser observada, por exemplo, no Diretório dos Indios4, de 1758, documento com o qual o Marquês de Pombal pretendeu legislar sobre a vida dos índios –- primeiro só da Amazônia, depois de todo o Brasil –- no período subseqüente à expulsão dos Jesuítas. A intenção expressa, de “‘civilizar”’ os índios, realiza-se através da imposição do português, língua do Príncipe, como mostra este fragmento com a grafia da época:
Sempre foi maxima inalteravelmente praticada em todas as Naçoens, que consquistaraõ novos Dominios, introduzir logo nos Póvos conquistados o seu proprio idiôma, por ser indisputavel, que este he hum dos meios mais efficazes para desterrar dos Póvos rusticos a barbaridade dos seus antigos costumes; e ter mostrado a experiencia, que ao mesmo passo, que se intoduz nelles o uso da Lingua do Principe, que os conquistou, se lhes radîca tambem o affecto, a veneraçaõ, e a obediencia ao mesmo Principe. (…) será hum dos principáes cuidados dos Directores, estabelecer nas suas respectivas Povoaçoens o uso da Lingua Portugueza, naõ consentindo de modo algum, que os Meninos, e Meninas, que pertencerem ás Escólas, e todos aquelles Indios, que forem capazes de instrucçaõ nesta materia, usem da Lingua propria das suas Naçoens, ou da chamada geral; mas unicamente da Portugueza, na forma, que Sua Magestade tem recõmendado em repetidas ordens, que até agora se naõ observáraõ com total ruina Espiritual, e Temporal do Estado (DIRECTORIO, p. 3-4, cap. 6, grifo meu).
Naquele momento histórico, o documento de Pombal volta-se sobretudo contra a língua geral, o tupi da costa do Brasil transformado em língua veicular de índios, brancos e negros em vastas porções do território, especialmente na Amazônia, onde também foi e é chamada de nheengatu. O documento marca o início do ocaso desta importante língua veicular, ocaso que vai se acelerar com a chacina de cerca de 40 mil pessoas falantes de nheengatu, índios e negros que pegaram em armas contra a dominação ‘branca’ na revolução denominada Cabanagem, entre 1834 e 1841(BESSA FREIRE, 1983, p. 65). O processo vai se consumar com o desaparecimento do nheengatu em grande parte da Amazônia – mas não em toda – fato causado pela chegada de 300 a 500 mil nordestinos, falantes monolíngües de português, entre 1870, quando começa o ciclo da borracha e 1918, final da Primeira Guerra Mundial.
Hoje, apesar desse processo de deslocamento lingüístico que o substituiu pelo português nas calhas da maioria dos grandes rios, o nheengatu resiste “entre a cidade de Manaus e as malocas do Alto Rio Negro, numa área aproximada de 300 mil.000 km2 (…) o nheengatu é o instrumento de comunicação usual da população que aí reside e a
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3 Ou mesmo pela eliminação pura e simples das populações falantes destas línguas.
4 Nome abreviado do “‘Directorio que se deve observar nas Povoações dos Índios do Pará, e Maranhão em quanto Sua Magestade naõ mandar o contrario”’, publicado em edição fac-similar por Almeida (1997).

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língua de comércio”(BESSA FREIRE, 1983, p. 73). Isso é demonstrado, para tomar um exemplo, nesta propaganda política de um candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) a deputado estadual na eleição de 1998:
Alto Rio Negro Miraitá Arã5
Se’ Muitá,
Mbuessara Aloysio Nogueira candidato Deputado Estadual arã.
Aé mira katu, ti mira puxi.
Aé yane’ anama.
Deputado Estadual yawé, Mbuessara Aloysio Nogueira ussu yane’ maramunhangara kirimbawa kuri. Aé ussu Alto Rio Negro miraitá nheenga kuri Assembléia Legislativa upé.
Ixé ayumana penhé, se’ anamaitá. Mbuessara Auxiliomar Silva Ugarte suí
Não devemos imaginar, entretanto, que leis como o Diretório tenham, por si só, mudado o perfil lingüístico do país, ou que tenham sido ‘obedecidas’ tranqüilamente pela população. O historiador José Honório Rodrigues chama nossa atenção para a resistência que os diversos grupos lingüísticos do país opuseram contra as políticas de homogeneização e glotocídio, numa verdadeira guerra de línguas6:
Numa sociedade dividida em castas, em raças, classes, mesmo quando é evidente o processo de unificação da língua, especialmente num continente como o Brasil, onde durante três séculos combateram várias línguas indígenas e negras contra uma branca, não havia nem paz cultural, nem paz lingüística. Havia, sim, um permanente estado de guerra. (…) O processo cultural que impôs uma língua vitoriosa sobre as outras não foi assim tão pacífico, nem tão fácil. Custou esforços inauditos, custou sangue de rebelados, custou suicídios, custou vidas (RODRIGUES, 1985, p. 42)
Não só os índios foram vítimas da política lingüística dos estados lusitano e brasileiro: também os imigrantes – chegados principalmente depois de 1850 – e seus descendentes passaram por violenta repressão lingüística e cultural. O Estado Novo (1937-1945), regime ditatorial instaurado por Getúlio Vargas, marca o ponto alto da repressão às línguas alóctones, através do processo que ficou conhecido como
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5 “Aos povos do Alto Rio Negro. Meus Irmãos: O Professor Aloysio Nogueira é candidato a deputado estadual. Ele é gente boa. Ele é nosso amigo (parente). Como deputado estadual, o Professor Aloysio Nogueira vai ser o nosso valente guerreiro. Ele vai ser a voz dos povos do Alto Rio Negro na Assembléia Legislativa. Eu vos abraço, meus parentes. Professor Auxiliomar Silva Ugarte”. (O texto e a tradução me foram gentilmente cedidos pelo próprio Aloysio Nogueira, a quem agradeço, em São Gabriel da Cachoeira (AM).
6 O conceito “‘guerra de línguas”’ nos possibilita entender que as línguas (isto é, as diversas comunidades lingüísticas) não convivem pacificamente, mas se valem das diferenças lingüísticas nas suas lutas identitárias (CALVET, 1999).

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“nacionalização do ensino” e que pretendeu selar o destino das línguas de imigração no Brasil.
Foi o caso, especialmente, do alemão e do italiano na região colonial de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Em regiões destes dois estados nas quais a estrutura minifundiária e a colonização homogênea garantiram condições adequadas para a reprodução das línguas, a repressão lingüística, através do conceito jurídico de “crime idiomático”, inventado pelo Estado Novo, atingiu sua maior dimensão.
Durante o Estado Novo, mas sobretudo entre 1941 e 1945, o governo ocupou as escolas comunitárias7 e as desapropriou, fechou gráficas de jornais em alemão e italiano, perseguiu, prendeu e torturou pessoas simplesmente por falarem suas línguas maternas em público ou mesmo privadamente, dentro de suas casas. Instaurou-se uma atmosfera de terror e vergonha que inviabilizou em grande parte a reprodução dessas línguas, que, pelo número de falantes, eram bastante mais importantes que as línguas indígenas na mesma época: 644.458 pessoas, em sua maioria absoluta cidadãos brasileiros, nascidos aqui, falavam alemão cotidianamente no lar, numa população nacional total estimada em 50 milhões de habitantes, e 458.054 falavam italiano, dados do censo do IBGE de 19408 (MORTARA, 1950). Essas línguas perderam sua forma escrita e seu lugar nas cidades, passando seus falantes a usá-las apenas oralmente e cada vez mais na zona rural, em âmbitos comunicacionais cada vez mais restritos.
O estado de Santa Catarina, na gestão do governador e depois interventor Nereu Ramos, montou campos de concentração, chamados eufemisticamente de “áreas de confinamento”, para descendentes de alemães que insistissem em falar sua língua, entre outras razões (DALL’ALBA, 1986). Um destes campos funcionou dentro do que é hoje o campus da Universidade Federal de Santa Catarina, mais especificamente a Prefeitura Universitária. A lista com os nomes dos prisioneiros confinados nesse campo foi publicada por Perazzo (1999, p. 239-44)
A partir do recrudescimento do processo, em 1942, as prisões aumentaram, passando, no município de Blumenau, por exemplo, de 282 prisões em 1941, em sua maioria por ocorrências comuns (como embriaguez ou briga em bailes), para 861 no ano seguinte, das quais 271, isto é, 31,5%, pela única razão de se ter falado uma “língua estrangeira”.
Isto significou a prisão de 1,5% de toda a população do município no decorrer daquele ano e levou ao silenciamento da população. No mesmo ano o Exército Brasileiro, mais especificamente o 32o Batalhão de Caçadores, composto sobretudo de soldados transferidos do Nordeste, deslocados para Blumenau para “ensinar aos catarinenses a serem brasileiros”, carimbou toda a correspondência para o Vale do Itajaí com a frase do ex-governador e ex-ministro das relações exteriores, Lauro Müller:
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7 A partir do ano de 1932 se iniciam uma série de medidas contra o uso da língua alemã nas escolas teuto- brasileiras. Esta se explica, de um lado, como uma resposta aos reclamos de políticos e intelectuais nacionalistas, que se filiariam, em 1937, ao governo estado-novista, e, de outro, às recomendações de políticos liberais, que enxergavam na instrução e no uso de um único idioma em todo o país, uma condição sine qua non para o exercício da cidadania (BREPOHL DE MAGALHÃES, 1998, p. 48).
8 De todos os censos brasileiros, somente os de 1940 e 1950 se interessaram por perguntar qual língua os brasileiros usavam no lar, e se sabiam falar português.

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“Quem nasce no Brasil ou é brasileiro ou é traidor” (NOGUEIRA, 1947, p. 13). A ação “nacionalizadora” do Exército, entretanto, data de muito antes:
Amparados numa rígida censura à imprensa, que previa a prisão imediata do responsável pelo jornal que publicasse qualquer restrição à campanha [de nacionalização], militares passaram a comandar os municípios das zonas coloniais, empossando novas diretorias nas escolas e nas sociedades recreativas (como na Ginástica Jahn, em Canoinhas), alterando a denominação de conhecidos centros culturais (a sociedade Músico Teatral Frohsinn, em Blumenau, tornou-se Teatro Carlos Gomes), e interferindo nos mais variados aspectos da vida cotidiana. O seu zelo era tal que, em Jaraguá do Sul, o prefeito nomeado chegou a proibir que lápides e mausoléus do cemitério local contivessem escritos em “língua estrangeira” (medida que seria depois estendida a todo o Estado), não aceitando sequer o expediente adotado por um indivíduo de nome Godofredo Guitherm Lutz, que cobrira as inscrições do jazigo da família com uma placa de bronze. E, para apoiar ações como esta, um batalhão do exército foi especialmente criado e enviado para Blumenau, onde ficou acampado na antiga Sociedade de Atiradores. O 32. BC chegou num dia de chuva, sendo recepcionado por autoridades, escoteiros e delegações das principais indústrias, enquanto dois aviões militares soltavam confetes com as cores da bandeira brasileira. Marcando sua chegada, os soldados envolveram-se num conflito com civis durante um baile no Salão Buerger, e dias depois seu comandante publicava um edital abolindo “o uso de qualquer língua estrangeira em atos públicos” (‘A Gazeta’, 24 e 25 de maio de 1939) (FALCÃO, 2000, p. 171 e 200).
A Polícia Militar9, em Santa Catarina como em outros estados, prendeu e torturou e obrigou as pessoas a deixar suas casas em determinadas “zonas de segurança nacional”. Mais grave que tudo isso: a escola da “nacionalização” estimulou as crianças a denunciar os pais que falassem alemão ou italiano em casa, criando seqüelas psicológicas insuperáveis para esses cidadãos que, em sua grande maioria, eram e se consideravam brasileiros, ainda que falando alemão.
Um dos fatos mais trágicos, entretanto, é que encontramos na nossa história muito poucas vozes que se opuseram ao esmagador processo de homogeinização, mesmo entre os intelectuais brasileiros. “Causa perplexidade”, afirmam Simon Schwartzman e outros “o fato de nunca ter havido, por parte das diversas correntes políticas de alguma significação na história brasileira, quem defendesse para o país a constituição de uma sociedade culturalmente pluralista” (SCHWARTZMAN et al., 1984, p. 72).
Para a lingüística brasileira, da forma como ela está estruturada nas nossas universidades hoje, o estudo da diversidade lingüística, isto é, do plurilingüismo, tem um lugar apenas modesto nos esforços de pesquisa. Quando se fala em diversidade lingüística muitas vezes se pensa na diversidade interna à própria língua portuguesa, o que decorre, entre outras razões, do predomínio, no país, de uma sociolingüística de cunho laboviano que poderíamos chamar de “‘sociolingüística do monolingüismo”’. Mas este interesse é crescente, e pode ajudar as diversas comunidades lingüísticas do Brasil a manterem e desenvolverem suas línguas.
[Notas:]
9 Chamada, no Rio Grande do Sul, de Brigada Militar. É interessante que Fiori, que há muitos anos pesquisa o processo de nacionalização do ensino, ao procurar a documentação da polícia (Dops) referente a Santa Catarina no período estadonovista nos arquivos de Curitiba, tenha descoberto que ela foi suprimida, e que “nada consta” sobre os anos da repressão lingüística (comunicação pessoal).
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Menor ainda foi, tradicionalmente, a preocupação da lingüística brasileira de contribuir para garantir, às populações que não falam português, seus direitos lingüísticos10, através, por exemplo, de intervenções políticas nos órgãos responsáveis ou na mídia. Nesse sentido, não temos para o Brasil um quadro muito diferente do que o que Dora Pellicer (1993, p. 36-7) afirma a respeito da lingüística mexicana em um texto intitulado “Foi então que as línguas indígenas passaram das mãos dos missionários para as mãos dos eruditos”:
No obstante, la labor de los especialistas mexicanos en el mundo académico no tuvo efecto alguno en la legitimación del uso de estos idiomas [indígenas] en el contexto de la nación independiente. Pueden argumentarse varias razones de que ello ocurriera así. Pero una determinante principal es que aparentemente no hubo, por parte de este gremio, tan interesado en descripciones, comparaciones y estudios dialectales, el proposito de lograr, mediante sus conocimientos acumulados, la reivindicación del uso de estas lenguas. Para esa recién constituida intelectualidad mexicana – cuyos miembros, poseedores de una profusa erudición , se mantenían al día de la moderna filología – los idiomas nativos constituyeron un apasionante objeto de estudio, pero nada más. En el terreno ideológico todos ellos compartieron, sin someterlo a discusión profunda, el ideal nacional de una lengua común […]11.
A História nos mostra que poderíamos ter sido um país ainda muito mais plurilíngüe, não fossem as repetidas investidas do Estado contra a diversidade cultural e lingüística. Essa mesma História nos mostra, entretanto, que não fomos apenas um país multicultural e plurilíngüe: somos um país pluricultural e multilíngüe, não só pela atual diversidade de línguas faladas no território, mas ainda pela grande diversidade interna da língua portuguesa aqui falada, obscurecida por outro preconceito: o de que o português é uma língua sem dialetos.
Finalmente, ainda, somos plurilíngües porque estamos presenciando o aparecimento de ‘novos bilingüismos’, desencadeados pelos processos de formação de blocos regionais de países, no nosso caso o Mercosul, que acompanha outras iniciativas como a União Européia e o Tlcan (Nafta). Esses processos desencadeiam novos movimentos migratórios, novos fatos demolingüísticos e novas configurações para o chamado “bilinguismo por opção”, isto é, novas orientações para o aprendizado de línguas estrangeiras. É de se esperar que ocasionem ainda novos tipos de deslocamentos lingüísticos.
Da mesma forma que as comunidades lingüísticas resistiram aos processos de homogeinização na época da Colônia, resistência continua sendo oposta, seja pelos movimentos indígenas organizados, seja por outros grupos, falantes das línguas de
10 Vide a Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos, promulgada em julho de 1996, e publicada no Brasil pela Editora Mercado das Letras e pelo Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Lingüística.
11 […] Contudo, o trabalho dos especialistas mexicanos no mundo acadêmico não teve efeito algum na legitimação do uso destes idiomas [indígenas] no contexto da nação independente. Podem ser apontadas várias razões para que isso tenha ocorrido dessa forma. A principal, todavia, é que aparentemente não houve, por parte deste grupo, tão interessado em descrições, comparações e estudos dialetais, o propósito de apoiar, mediante seus conhecimentos acumulados, a reivindicação do uso destas línguas. Para essa intelectualidade mexicana recém-constituída – cujos membros, possuidores de uma profusa erudição, se mantinham a par da moderna filologia – os idiomas nativos constituíiram um apaixonante objeto de estudo, mas nada mais. No terreno ideológico todos eles compartilharam, sem submeter a uma discussão aprofundada, o ideal nacional de uma língua comum […] (PELLICER, 1993, p. 36-7).
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imigração, de línguas de sinais ou de variedades discriminadas do português. Prova disso é que a Constituição de 1988 reconhece aos índios o direito às suas línguas, pelo menos no aparato escolar, em dois artigos (210 e 231), fato que foi regulamentado pela nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, também em dois artigos (78 e 79). Esse é um fato muito novo na história das legislações brasileiras, tão ciosas em “integrar o índio”, isto é, fazer com que ele deixasse de ser o que era, para se transformar em outra coisa: mão-de-obra nas grandes propriedades ou nas periferias das grandes cidades. Diga-se de passagem que esse direitos foram ancorados na Constituição por ativa participação do movimento indígena no processo da constituinte.
Conceber uma identidade entre a ‘língua portuguesa’ e a ‘nação brasileira’ sempre foi uma forma de excluir importantes grupos étnicos e lingüísticos da nacionalidade; ou de querer reduzir estes grupos, no mais das vezes à força, ao formato ‘luso-brasileiro’. Muito mais interessante seria redefinir o conceito de nacionalidade, tornando-o plural e aberto à diversidade: seria mais democrático e culturalmente mais enriquecedor, menos violento e discricionário, e permitiria que conseguíssemos nos relacionar de uma forma mais honesta com a nossa própria história: nem tentando camuflar e maquilar o passado, escondendo os horrores das guerras, dos massacres e da escravidão que nos constituíram, nem vendo a história apenas como uma seqüência de denúncias a serem feitas.
Darcy Loss Luzzato, por exemplo, é um autor que tem se dedicado a escrever na sua língua materna, o talian (ou vêneto rio-grandense) – amplamente falado nas regiões coloniais italianas do Rio Grande do Sul e, em menor escala, de Santa Catarina – e a lutar pela sua manutenção, num quadro jurídico que não dá às línguas de imigração nem os mesmos e poucos e parcos direitos que se reconhecem aos índios. Ele narra, neste trecho, um sonho que teve, e com o qual manifesta-se a favor do plurilingüismo brasileiro:
Che bel insònio che go buo l’altra sera. Me go insonià che in tuto el Sud del Brasile tuti parléino almanco due léngue: fra de noantri, ogni uno el parleva talian e portoghese; i dissendenti dei tedeschi i se feva intender tanto in tedesco come in brasilian; i polachi i parleva tanto in polaco come in portoghese; i giaponesi i dopereva co la medésima fassilità el brasilian e el giaponese; vissin a le frontiere col Uruguay e la Argentina, tanto se sentiva che i parleva in brasilian come in spagnolo. E ghen’era de quei che i era franchi in tre o quatro léngue! Quando me son desmissià ala matina, pensàndoghe sora, me go incorto che sto bel insònio el podaria esser stato vero: bastaria che gavéssimo buo Governi invesse de governi. Bastaria che invesse de polìtico-buròcrati gavéssimo buo la fortuna de esser governadi par òmini de vision, stadisti, e nò gente de vista curta e storta. Ma, noantri, podemo cambiar la stòria. Me nono, el diseva che tuto l’è scominsiar! Alora, scominsiemo noantri taliani, che semo stati sempre vanguardieri. Dedrio de noantri, dopo verta la strada, i vegnarà i altri. Son sicuro!12 (TONIAL, 1995, capa).
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12 “Que belo sonho tive noutra noite. Sonhei que em todo o sul do Brasil todos falávamos pelo menos duas línguas: entre nós, falava-se talian e português; os descendentes de alemães se faziam entender tanto em alemão como em brasileiro; os poloneses falavam tanto em polonês quanto em português; os japoneses operavam com a mesmíssima facilidade o brasileiro e o japonês; perto da fronteira com o Uruguai e a Argentina, tanto se escutava que se se falava em brasileiro como em espanhol. E havia quem fosse fluente em três ou quatro línguas! Quando me acordei pela manhã, pensando nisso, me dei conta que este belo sonho poderia ter sido verdadeiro: bastaria que tivéssemos tido Governos ao invés de governos. Bastaria que invés de políticos burocratas tivéssemos tido a fortuna de ser governados por homens de visão, estadistas, e não gente de vista curta e torta. Mas nós podemos mudar a história. Meu avô me dizia que tudo é começar! Então comecemos nós talianos, que fomos sempre vanguardistas. Depois de nós, uma vez aberta a estrada, virão os outros. Tenho certeza! Continue reading